Creio que a maior inquietude do homem seja a memória. Não que tenhamos que ser esquecidos, mas esquecer às vezes faz bem. Não é?
A memória é uma capacidade que pode ser considerada “bipolar”. Ter memória, fazer memória, guardar as memórias. São tantos os termos em que a memória é citada, mas nenhum deles será tão valoroso se na verdade não soubermos controlar, dominar, ou até mesmo fazer uso benéfico de nossas próprias memórias.
Segundo o Aurélio memória quer dizer: “Faculdade de reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos.”
Sem dúvida nenhuma no momento em que saboreava o significado da palavra digeria o amargo gosto de tristeza que ele traz consigo.
Reter quer dizer guardar, ter para si. Quando mergulho nas profundezas de todo esse significado, recordo-me de tudo que de mais intenso, tanto para o bem quanto para o mal, existe no homem.
Ter, fazer, usar memória é isso, é reter algo para si. É acima de tudo fazer uma escolha, o que considero o mais amargo dentre os deveres da humanidade. Escolher significa selecionar um e desprezar quantos forem os outros, quantas forem às opções. Por isso escolher é tão difícil.
No que diz respeito à memória, a escolha não está entre o que queremos ou não guardar. Guardamos aquilo que vivemos, mas nem sempre escolhemos o que vamos viver. Esse é o desafio. É dentro desse contexto que vivemos entre aquilo que temos guardado em nossa memória e aquilo que mais aparenta ou de fato seja exteriormente o mais correto. E quando digo correto faço menção a todos os valores transmitidos pela família, pela escola, pela religião e por tantos outros mecanismos transmitentes de valores existenciais na sociedade. É claro que às vezes temos o correto guardado em nós como algo natural, mas nem sempre, quase nunca. Isso depende de como andam os nossos relacionamentos cotidianos e a nossa afetividade. Depende de como vivemos do dia em que nascemos até os dias atuais. Ser o não ser quando se trata da constituição moral do ser humano, sempre faz parte de uma evolução processual. Quer um exemplo? Pra que uma árvore dê bons frutos primeiro é necessário plantá-la e depois cultivá-la de forma correta. Coincidência ou não essa não tem sido a pedagogia da humanidade.
É incrível como que por lembranças provenientes da memória cometemos atitudes humanamente inaceitáveis. Por quantas vezes nos enxergamos fazendo coisas que ao final geram em nós arrependimentos alarmantes. É claro que por outro lado pode ser até um pouco melhor que nos arrependamos, mas melhor mesmo seria que não fizéssemos coisas tão desprezíveis assim. Agimos por inúmeras vezes impulsionados por nossos fracassos, atingimos as pessoas com nossos reflexos repletos de memórias que clamam uma vingança que ao final não nos levará a lugar algum.
Por outro lado fazer memória pode ser a solução para amenizar a dor de nunca mais poder matar a saudade. Pode ser o refúgio, o esconderijo montado, onde somente nós mesmos sabemos entrar e depois sair. Isso significa dizer que somente nós somos capazes de desvendar os segredos existentes nos cadeados da alma, entrar sem pedir licença e reviver mesmo que de maneira recordativa os bons momentos vividos ali.
Memória também serve como alerta. É ela quem mostra naqueles momentos em que nos sentimos os verdadeiros juízes da causa, que a trave em nosso olho pode ser maior que a do olho alheio.
A verdade é que a memória foi distribuída pelo Criador a todas as criaturas. Ela poderia ser o freio da língua e isso seria memorável. Mas o que se sabe é que são vários os tipos de memória, cada ser possui a diversidade que a si foi designada. Visual, fotográfica, escrita isso não importa. O que realmente importa é percebermos conscientemente que possuímos e construímos memória.
A questão é o Homem, e quando digo o homem somos nós, eu e você, que possuímos inúmeros tipos de memória. O problema é que muitas vezes nos permitimos levar por uma “conveniente memória” que por hora se vê esquecida.
Hipócritas, esquecemos o que nos convém esquecer, mas sempre nos lembramos do que nos convém lembrar.
Somos assim, sabemos exatamente como devemos fazer. Mas no fundo o que sempre queremos é admirar e banhar a nossa própria calda.
Raphael Gonzaga Mangia